Entrevista com Irmão Silvio: siga o que Deus quer de você.

Como se deu o seu discernimento vocacional?

Grupo Vocacional – Anaurilândia 1973

Eu nasci no Estado de São Paulo, vim muito pequeno para o então Mato Grosso para o Município de Bataguassu, tive uma passagem rápida pelo Paraná, mas depois vivi até os meus 10 anos em Bataguassu. Ali estudei até à 4ª série e trabalhei muito (naquele tempo as crianças trabalhavam). E em 1969, mudei para o Município de Anaurilândia para uma fazenda que já não existe mais, chamada Lagoa do Coco, que foi coberta pelas águas da Barragem. Em 1971, os Padres Pobres Servos da Divina Providência, Pe. José Dusi e o então Irmão Mario Bonomi, chegaram na Paróquia e começaram a visitar as fazendas e chegou também até nós, e nos motivaram a sermos coroinhas. Não tínhamos a menor ideia do que se tratava, mas passamos a ajudar o padre uma vez por mês,  quando vinha celebrar. Em 1972, a gente se mudou para bem próximo da Cidade, e então passei a frequentar as missas todos os domingos, aí já tinha 13 anos, e no meu tempo, com 13 anos, já éramos considerados quase adultos, então passei a frequentar o Grupo de Jovens, e também voltei a estudar à noite. Devido ter ficado muito tempo parado sem estudar, na conversa com o Professor Valmir Domingos Teixeira, que era Diretor do Grupo Escolar, ele me disse que eu teria que repetir a 4ª série, não liguei, eu queria era estudar e retornei em 1973. Na volta à escola encontrei uma Grande Professora que me ajudou muito, Lurdes Zaia, me incentivou a ler mais, a pesquisar e principalmente a escrever.

Neste tempo, continuava a frequentar a Igreja, sempre acompanhado pelo Pe. Dusi, fiz catequese para a 1ª comunhão, porque já era crismado, e ao mesmo tempo, dava catequese para a 1ª. Etapa.

Em 1974, o Regional Oeste 1, começou a se mobilizar para abrir um seminário para todo o estado, e esse seminário seria em Rio Brilhante. Sabendo disso, o Pe. Dusi, organizou o grupo vocacional paroquial e nos convidou para fazermos parte e lá fomos nós, um grande grupo de adolescentes, que não tinha noção para que servia um grupo vocacional, e no fim do ano, o Padre seleciona 05 meninos e disse, que nós iríamos para o seminário. Eu fiquei entre a euforia e o terror, falei com a minha família, e meus pais ficaram divididos entre o sim e o não. Quando o seminário mandou a lista do famoso “enxoval”, aquilo foi critério para dizer não. Nós sempre fomos muito pobres, eu tinha apenas uma muda de roupas para sair aos domingos, imagina ter que comprar uma lista interminável de roupas, sapados, Kichutes etc. No domingo, fui à missa e com tristeza disse ao Padre que não iria ao seminário e expliquei o motivo. O Padre não disse nada e eu fui embora.

Dona Inácia e Ir. Silvio – Bataguassu – 2015

Um dia voltei da roça, quando cheguei em casa, minha mãe me mostra uma mala enorme e me manda abri-la, dentro estava todo o famoso “enxoval”, o Padre, juntamente com as Irmãs Pobres Servas, que já moravam em Anaurilândia, mobilizaram muitas famílias e em poucos dias conseguiram tudo que era necessário, aí nem eu e nem minha família tínhamos mais desculpas para que eu não fosse ao seminário. E então, no dia 22 de fevereiro de 1975, com quase 16 anos, na 6ª série, ingressei no Seminário Santo Antônio de Rio Brilhante, e dali para frente minha vida seria outra. Quando eu trabalhava na roça, eu tinha jurado para mim mesmo, que não haveria de acabar meus dias ali, eu queria conhecer o mundo, tinha sonhos de estudar, e vi no seminário essa possibilidade e agarrei com as duas mãos.

Mas na volta, para as férias de final de ano, as coisas mudaram, o Pe. Dusi me disse que eu deveria ir para o Rio Grande do Sul, e aí a situação ficou muito tensa. Meus pais não estavam de acordo, e ao mesmo tempo, que eu queria ir, mas tinha muito medo, porque era algo totalmente desconhecido para mim. Naquele tempo, estávamos construindo o Hospital de Anaurilândia, então, nas férias, os seminaristas de Porto Alegre vinham ajudar, e aí conheci eles, passei a entender como eram as coisas no Sul e decidi que iria sim para o Sul. Em 1976, no dia do meu aniversário de 17 anos, chegava em Farroupilha e daí pra frente, segui, passando por tudo o que as pessoas passam para realizarem seus sonhos, e estou até hoje.

Eu entrei para ser padre, mas Deus me quis Irmão. A minha convivência com o Carisma da Congregação me levou a perceber, que minha vocação era mesmo ser irmão. Como cheguei a esta decisão? Ouvindo meus formadores, mas escutando principalmente a voz do Carisma, que diz, que para nós, ser padre ou ser irmão não é tão importante, o mais importante é responder ao chamado de Deus e fazer a sua vontade, então decidi ser irmão, para ajudar outros irmãos a se sentirem incluídos no projeto de Deus.

Profissão Religiosa – 01/01/1984

Fiz minha profissão religiosa no dia 1º de janeiro de 1984, em Farroupilha na presença dos meus pais, no mesmo ano iniciei meus estudos de Pedagogia, com especialização em Orientação Educacional, me formei dia 18 de dezembro de 1987, fiz meus votos trienais no dia 1º de janeiro de 1988 e no dia 19, chegava à África para minha primeira missão ad gentes.

Claro, que isso que falei é um resumo dos resumos, minha história não é mirabolante, mas também não é tão curta assim.

O que o senhor tem a nos dizer sobre a importância da Vida Religiosa?

Angola – 1988

A Vida Religiosa é uma vocação como as outras vocações. A sua importância está em cumprir a missão que Deus lhe confiou. O Concilio Vaticano II dedicou todo um decreto sobre a vida religiosa, Perfeita Caridade. E lá no número 10, diz que a vida religiosa se constitui um estado de vida completo. Ou seja, não precisa de complemento, o religioso, a religiosa são pessoas, que optam em seguir a Cristo como qualquer outro cristão, só que vivendo os três conselhos evangélicos de forma radical, que são os votos de Pobreza (não tem nada de seu), a Obediência (são outros que decidem suas vidas) e a Castidade (onde o único amor é Jesus Cristo e os irmãos).

A vida religiosa mais que fazer coisas, existe para dar testemunho de amor ao Reino de Cristo e às pessoas, ou seja, viver uma grande Paixão por Cristo e pela Humanidade.

Quais os desafios e as alegrias desta missão?

Como qualquer outra opção de vida, a vida religiosa também tem seus desafios, a meu ver o maior desafio é o da fidelidade à consagração. Isto é, todos os dias você precisa se lembrar, que sua vida não é como as das outras pessoas, que mesmo sendo cristão como os outros, seu estilo de vida deve ser outro, não porque você é melhor, mas porque você escolheu viver diferente. Todos os dias o religioso, a religiosa devem renovar a sua paixão pelo Reino e pelos irmãos, mesmo quando você está em crise e com dificuldades, você precisa ser forte para que os outros também possam seguir adiante.

Assembçeia Geral da CNBB – Aparecida 2019

As alegrias, são muitas. Se você não é feliz na sua vida, seja em que estado for, não vale a pena você continuar. Nós religiosos temos nossos momentos de tristeza, de sofrimento, mas são apenas momentos, a nossa vida deve ser de alegria. O Papa Francisco disse um dia: “onde estão os religiosos, ali tem alegria”. A minha maior alegria é poder viver com liberdade a serviço das pessoas, isso não significa que de vez em quando a gente também não perca o controle. Até o fim, mesmo como religiosos, seguiremos sendo homens e mulheres. Anjos não podem ser religiosos.

O que dizer para quem se sente chamado à vida religiosa?

Digo o mesmo que diria a quem é chamado a viver outra vocação: “siga o que Deus quer de você, de outra forma, você nunca será feliz”.

Padrinho do Inácio 2020

O senhor teria alguma mensagem para outros religiosos?

Não somos especiais, mas somos amados e chamados como todos os outros, mas de nós o Senhor nos pede um pouco mais, não somos de luxo, mas somos exclusivos para o serviço do Reino. Não tenhamos medo, como Ele mesmo diz: somos preciosos aos seus olhos, e Ele nos ama.

Parabéns a todos os Religiosos e Religiosas!

PASCOM
Pastoral da Comunicação